Autor: Dr. Antonio Carlos de Souza Aranha.
Há 30 atrás, quando meus filhos eram pequenos, as famílias investiam seu tempo livre para criar alguma coisa. As crianças desenhavam, pais ensinavam seus filhos a tocar um instrumento, pescar ou andar de bicicleta, mães se sentavam no sofá para contar histórias e aproveitavam para ensinar a ler ou falavam do significado de uma palavra nova. Hoje, quase nada disso é considerado necessário. Vivemos em um mundo de sons e imagens prontas que satisfazem boa parte dos nossos desejos e sentidos. Não precisamos mais de histórias, temos a TV. Pra que aprender a subir em árvores ou andar de bicicleta se as crianças preferem os games? E o pensamento ficou em segundo plano pois os computadores substituem o trabalho da inteligência e das memórias. As máquinas conquistaram a força física, a criatividade e, mais recentemente, o pensar, o último reduto da manifestação humana.
Um dos principais efeitos dessa revolução tecnológica é o desemprego da nossa vontade. De repente, não precisamos mais fazer esforço para quase nada. Nos transformamos em consumidores preguiçosos e atrofiados, seja de ideias, de criatividade e até de raciocínio. Deixamos de usar nossas capacidades naturais e de trabalhar em grupo e passamos a lidar com a sensação de que falta sentido à vida, a chamada depressão.
Mas, como sempre ouço dos pais, “a tecnologia está aí, não posso negar que meu filho tenha acesso a ela”. De fato, ela está em todos os lugares, mas tudo a seu tempo. Ao lidar com a tecnologia na educação, devemos deixar que as crianças vivenciem o trabalho por si próprias antes de entregá-lo a uma máquina, pois nesse momento a habilidade em criar se paralisa. Se uma máquina faz tudo do começo ao fim, não vivenciamos a gratidão que sentimos ao ver o resultado de um esforço, seja construir uma caixote de madeira para os brinquedos, de pintar uma tela, aprender a tocar um violão ou cuidar de um jardim. Pelo contrário, nos tornamos ingratos e exigentes com tudo o que já vem pronto e que não exige esforço.
Para que as crianças lidem de uma maneira favorável com essa revolução tecnológica, é importante que façam isso da mesma maneira como a humanidade viveu essa mudança nos últimos 250 anos. Assim, passariam a primeira infância como se estivessem no período anterior ao da Revolução Industrial e evoluiriam até a modernidade ao chegar na adolescência. Mostre a seu filho que a água quente saindo da torneira ou que a lâmpada que se acende ao toque de um botão não são coisas tão óbvias como parecem. Se puder, leve-o para férias na fazenda ou para um acampamento, onde a roupa tem que ser lavada à mão, a água tem que ser aquecida na fogueira, o leite sai da vaca – e não da caixinha, como muitas crianças acreditam. Assim, ele vai valorizar as conquistas tecnológicas ao perceber que não foi sempre assim. E, quando estiver mais velho e finalmente fizerem uma pesquisa no Google e não na própria natureza ou na observação dela, irá perceber que o computador não “pensa” sozinho, mas que seus resultados vieram do esforço e da vontade humana de criar, um.
Permitir que as crianças executem tudo o que for possível antes que o trabalho seja realizado por uma máquina tem um grande valor educativo. Dê a seu filho a possibilidade de criar, cantar, dançar e fazer teatro antes que a TV ou o computador o sobrecarreguem de imagens, cores, sons e impressões tão “perfeitas” que irão paralisar sua criatividade. Alerte os professores sobre essa necessidade, ofereça os brinquedos que o ajudem nessa jornada em vez de dar a ele algo pronto que não dê espaço para sua vontade. Deixe que calculadoras, computadores e games sejam apresentados quando ele já estiver maior, depois de aprender a fazer as contas, desenhos e pesquisas sozinho, exercitando sua criatividade e inteligência de uma maneira que só será possível nessa fase da vida. Em suma, mostre que tudo isso não veio à toa, mas nasceu do trabalho e da criatividade de homens que vieram antes dele. Assim seu filho poderá, um dia, usar os benefícios da tecnologia ao invés de ser dominado por ela.
O que você pode mostrar a seu filho hoje?